Bem, já falamos muito sobre diálogo e como é um dos recursos mais importantes para construir seus personagens.
Que tipo de diálogo funciona bem para uma história?
Vejamos outro aspecto. O diálogo realista, porém, nada interessante, versus o tipo de diálogo que queremos usar para construir bons personagens.
Se você pensar em conversas do dia-a-dia, poderíamos construir exemplos diálogos que soariam muito reais, porque são parte de nossas vidas, mas não seriam interessantes. Veja:
Seu personagem entra numa lanchonete.
— Um pão de queijo, por favor.
— Comum ou recheado?
— Tem recheio de que?
— Calabresa, frango e bacon.
— Bacon.
— Eu quero um refresco também, quanto é?
— Um real. Tem tangerina e caju.
— Tangerina.
— Aqui está;
— Obrigado.
É um diálogo verossímil, mas não queremos isso em nossa história. O que queremos é diálogo que:
1) Ajude a entender o personagem: conhecer melhor seus personagens de acordo com o jeito que falam.
2) Faça progredir a história: Nos dê a informação que queremos ter. É o que nos faça querer virar a página para ver o que vai acontecer.
3) Possua frases interessantes: tente cunhar frases tão interessantes e originais. Esforce-se ao máximo!
Vamos ver um pouco de do diálogo entre o piloto John Blackthorne e Mariko, do brilhante romance Shogum, de James Clavell. Depois de um naufrágio, o piloto inglês passa por maus bocados tentando sobreviver no Japão medieval e assimilar a língua e cultura locais. Mariko é uma amiga que ele faz, depois que o Sr. Toranaga toma interesse por John e lhe oferece uma posição dentro do mundo deles. Ela o chama de Anjin-san (Sr. Piloto). Eu arriscaria dizer que está entre os 3 melhores livros que já li na vida.
***
— O que aconteceu ao marido e ao filho?
Mariko hesitou, importunada pela descortês objetividade de Blackthorne. Mas já conhecia o bastante sobre ele para compreender que isso era costume dele e não significava falta de educação.
— Foram condenados à morte, Anjin-san. Enquanto o senhor estiver aqui, necessitará de alguém que cuide de sua casa. A senhora Fujiko será…
— Por que os condenaram à morte?
— O marido dela quase causou a morte do senhor Toranaga. Por favor…
— Toranaga ordenou a morte deles?
— Sim. Mas agiu corretamente. Pergunte a ela e ela concordará, Anjin-san.
— Que idade tinha a criança?
— Alguns meses, Anjin-san.
— Toranaga condenou um recém nascido à morte por alguma coisa que o pai fez?
— Sim. É o nosso costume. Por favor, tenha paciência conosco. Em algumas coisas não somos livres. Os nossos costumes são diferentes dos seus. Veja, por lei pertencemos ao nosso suserano. Por lei, a vida dele pertence ao seu suserano. É o nosso costume.
— Então um pai pode matar qualquer um na casa?
— Sim.
— Então vocês são uma nação de assassinos.
— Não.
— Mas o seu costume desculpa o assassínio. Pensei que a senhora fosse cristã.
— Eu sou, Anjin-san.
— E os 10 mandamentos?
— Não consigo explicar, realmente. Mas sou cristã, samurai e japonesa e não são coisas contrárias umas as outras. Para mim, não são. Por favor, seja paciente comigo e conosco. Por favor.
— A senhora mataria seus filhos se Toranaga ordenasse?
— Sim. Tenho apenas um filho, mas, sim, creio que o faria. Certamente seria o meu dever fazer isso. Essa é a lei… se o meu marido concordasse.
— Espero que Deus possa perdoar-lhe. A todos vocês.
— Deus compreende, Anjin-san. Oh, Ele compreenderá. Talvez Ele lhe abra a mente, de modo que o senhor possa compreender. Sinto muito, não sei explicar muito bem, né? Peço desculpas pela minha falha. — Ela o observou em meio ao silêncio, confusa. — Também não o compreendo, Anjin-san. O senhor me desconcerta. Os seus costumes me desconcertam. Talvez fôssemos ambos pacientes pudéssemos ambos aprender. A senhora Fujiko, por exemplo. Como consorte, cuidará da sua casa e dos seus criados. E das suas necessidades: qualquer uma das suas necessidades. O senhor precisa ter alguém que faça isso. Ela providenciará o andamento da casa, tudo. O senhor não precisa “travesseirar” com ela, se isso o preocupa… se não a considerar atraente. Não precisa nem ser polido com ela, embora ela mereça polidez. Ela o servirá como o senhor quiser, do modo que quiser.
— Posso tratá-la do modo que quiser?
— Sim.
— Posso “travesseirar” com ela ou não?
— Naturalmente. Ela encontrará alguém que lhe agrade para satisfazer as suas necessidades físicas, se o senhor quiser. Ou não interferirá.
— Mas posso tratá-la como uma criada? Uma escrava?
— Sim. Mas ela merece coisa melhor do que isso.
***
Você consegue ouvir a indignação e choque na voz de Blackthorne? Consegue ouvir a calma, paciência e compenetração na voz de Mariko? Vê que o diálogo faz a história avançar, na medida em que Mariko está explicando a ele sobre sua nova condição como proprietário de uma casa, privilégio recém recebido diretamente do soberano, o senhor Toranaga? Percebe como as sentenças são muito bem trabalhadas? Que são interessantes?
Pense nisso para escrever diálogos que constroem seus personagens.
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