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Mistério de Deus – Roberto de Sousa Causo

Mistério de Deus é um romance de fantasia urbana ambientado na cidade de Sumaré, interior de São Paulo, no início dos anos 1990.  A trama se desenrola numa cidade do interior que representa bem um microcosmo do Brasil. Onde vemos gente honesta e trabalhadora, desigualdade social, violência urbana, políticos e polícia corrupta e traficantes de droga. Ali, a Gangue do Maverick ronda a região num possante e envenenado carrão preto, assassinando pessoas sem relevância social, como indigentes e prostitutas e os coletando seus corpos para fins macabros. O protagonista do livro, Alexandre Agnelli, tinha acabado de sair da prisão, e sua aparência e situação lhe conferiam o perfil perfeito para se tornar mais uma vítima dos assassinos, mas escapa por pouco e toma como missão pessoal, enfrentá-los.

O romance é volumoso (600 páginas) e numa narrativa progressiva, introduz lentamente elementos do sobrenatural e horror. Ligados por laços de amizade, amor e do destino, outros três personagens se juntam a Alexandre nessa cruzada contra as trevas. Seu melhor amigo, João Serra, sua ex-colega de escola, Soraia Batista e o policial militar novato Josué Machado. 

Serra é apaixonado por automobilismo e possui um carro preparado, um Dodge Charger branco. Ele também já teve experiências como piloto profissional e já foi um dos mais famosos corredores de racha da região.

Soraia sempre foi a paixão de Alexandre, desde que eram mais jovens, é uma professora de inglês de escola pública e descobre, ao longo da trama, possuir mediunidade ostensiva, de modo que é ela que vem a descobrir pistas de algo sobrenatural e sombrio ligado às atividades da Gangue do Maverick. 

Por último, Josué é um policial recém formado, honesto, idealista e temente a Deus, que passa a ter sérios problemas adaptação junto aos policiais corruptos com que precisa trabalhar.

Algo muito interessante e que dá o colorido da obra é a exploração da subcultura de carros preparados (muscle cars) e corridas ilegais. Neste aspecto, o livro rende boas cenas de ação com características cinematográficas. Por outro lado, o livro é bastante ancorado na realidade brasileira e dá ao leitor, mesmo sem nunca ter visitado Sumaré, uma noção muito próxima daquela realidade, na medida em que usa bem a extensão do livro para propor um mergulho em personalidades, estabelecimentos, bairros, etc. Assim constrói uma imagem forte não só da cidade, mas de seus habitantes e de alguns aspectos da cultura nacional. Se o romance Xógun, de James Clavell dá ao ocidental uma possibilidade de mergulho profundo no Japão medieval, Mistério de Deus proporciona ao leitor um mergulho semelhante num recorte do microcosmo brasileiro do início dos anos 1990.

Outro aspecto que vale destacar e elogiar no romance é o estudo de personagens. Alexandre, Soraia, Serra, Josué, dois dos antagonistas, e diversos outros personagens secundários, são muito bem trabalhados. Nós vemos personagens tridimensionais, redondos, com perfis psicológicos diversos, fraquezas e hesitações que os tornam muito críveis e humanos.

O livro não se resume a uma caça e investigação em linha reta que levaria à solução do mistério em torno da gangue do Maverick. A linha de investigação leva a caminhos incertos e desenvolvimentos secundários e também, à própria construção de elos entre os personagens. A forma com que o relacionamento entre os personagens evolui, em paralelo às investigações, é cativante, de modo que é tão interessante desvendar o mistério, como observar a evolução nos arcos dos personagens. Dentro desse espírito de fazer a trama maturar lentamente são revelados outros personagens, como políticos e traficantes que Alexandre e Serra confrontam, mesmo antes de terem elementos suficientes para partir para o confronto derradeiro e da entrada do romance no segmento onde se explicita o aspecto de horror e sobrenatural. Para aqueles que apreciam o gênero de horror, vale o aviso de que a presença direta desses elementos é reduzida, mas quando surge, causa forte impressão. A revelação final e o próprio confronto com a criatura por trás da Gangue do Maverick também possui fortes características gráficas e as descrições dariam ótimo lastro para uma adaptação da obra para filme ou minissérie.

O livro tem ligações com o romance Anjo de Dor (2009), que ainda não lemos, e o tipo de narrativa dialoga com com o romance de fantasia urbana, A Corrida do Rinoceronte (2006), ainda que este último seja um romance muito mais curto.

O autor de Glória Sombria e Mestre das Marés, que são parte de uma das mais empolgantes séries de ficção científica nacional, mostra, nesse romance, outro aspecto de sua versatilidade, uma capacidade de mergulho mais fundo na psique dos personagens criados e também a forma crua e explícita de descrever o horror sobrenatural.

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4.5 / 5 stars     

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  1. Muito obrigado pela sua leitura positiva de “Mistério de Deus”, Carlos Rocha. Investi muito trabalho e esperanças nesse romance e nos seus personagens. É uma satisfação que ele tenha merecido os seus comentários.

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