A Corrida do Rinoceronte é apresentado como fantasia contemporânea, mas se aproxima mais de um thriller policial com um toque de fantástico.

O livro narra a jornada de Eduardo Câmara, um brasileiro recém chegado a uma cidade do interior da Califórnia chamada South River. Eduardo é programador de computadores e vai aos Estados Unidos por meio de um contrato temporário de trabalho numa firma de software, mas logo se envolve numa trama envolvendo corridas de carro, crime digital e até mesmo questões ambientais.

Como um estranho numa terra estranha e nada bem quisto em sua nova vizinhança, longe da família e de sua cultura, Eduardo percebe uma dimensão de si mesmo anteriormente ignorada: a questão racial. Um mestiço, como grande parte da população brasileira, o jovem nunca chegou a pensar em si mesmo como um negro, mas na sociedade americana, que dicotomiza ou rotula tudo, vencedor/perdedor, comunista/democrata, branco/negro/asiático/latino, Eduardo viu-se classificado como negro, e começa sentir um preconceito explícito anteriormente não experimentado.

Uma das temáticas abordadas no livro é da cultura americana que aprecia e cultua os carros possantes, ou street machines. Em South River é um ponto de encontro para corridas ilegais utilizando esses carrões envenenados. Eduardo, não pretende burlar a lei e participar destas competições, mas por oportunidade, acaba adquirindo uma máquina, um Chevrolet Camaro z/28. A aquisição deste carro é na realidade o ponto de partida da jornada de Eduardo, que precisa acertar a documentação de seu novo veículo e conhece a policial Jennifer Adams, responsável pela investigação das corridas ilegais.

Neste contexto, talvez por stress, ou por algum outro motivo desconhecido, ou sobrenatural, surge o Rinoceronte. Eduardo passa a ter visões de um rinoceronte negro que passa a ser um elemento condutor para dentro da trama. É uma alavanca que surge na história para despertar a curiosidade do leitor. Talvez, visto como um fantasma de uma espécie em extinção, significasse um grito da natureza pedindo ajuda. Eduardo passa a conhecer mais da história local de South River, suas famílias, estruturas de poder e antigas richas. E talvez o rinoceronte representasse o espírito de alguém envolvido nestas richas, ou ainda, algo de sua própria ancestralidade africana.

O mais importante de tudo é que no livro somos apresentados a cada um destes elementos de uma forma envolvente. Assim, passamos a conhecer um pouco mais sobre street machines, sobre a cultura e história de uma cidade do interior norte americana, sobre a geografia e também questões ambientais e raciais. Outro ponto forte do livro é a sólida construção de personagens. Estes se tornam vívidos na mente do leitor e passam a constituir a trama como elementos significativos, não meros figurantes, na medida em que são importantes peças da constituição do enredo. O autor constrói uma ambientação rica e elaborada que demonstra um cuidado com pesquisa e detalhes que conferem, apesar de se tratar de uma história fantástica, um bom senso de realidade. O autor utiliza a própria linguagem como elemento constituinte da história.

O uso de algumas expressões em inglês e também a consciência de Eduardo em relação ao seu domínio incompleto do idioma ajudam a conferir um grau maior de realidade de sua situação como estrangeiro.

Encontramos neste curto romance de imagens vívidas (que daria uma boa transposição para um filme) trama e personagens envolventes. Uma ambientação rica e um clima o misterioso de numa história que começa sem indicar para onde vai, cresce em riqueza de detalhes até formar uma trama cujo desfecho dá boa resposta às questões levantadas, mas ainda deixa no ar algo quanto às motivações pessoais do personagem e sua misteriosa relação com o rinoceronte de suas visões. Enfim, deixa a sensação de que esta dimensão da história poderia ter sido mais bem explorada, mas definitivamente constitui uma boa leitura.