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Mestre das Marés – Roberto de Sousa Causo

Mestre das Marés

Mestre das Marés é uma space opera militar com uma inclinação para a ficção científica hard. Continuação do romance Glória Sombria e parte da série As Lições do Matador, se passa no século XXV, um período de expansão da presença humana em sistemas estelares a partir do Sistema Solar.

Nele, voltamos a acompanhar o Capitão Jonas Peregrino, um militar de ascendência brasileira que comanda uma unidade militar especial, os Jaguares. Sob o comando do Almirante Túlio Ferreira, ela atua no combate aos tadais, misteriosos robôs guerreiros que assolam vários sistemas estrelares.

Ainda se sabe pouco sobre os tadais e é uma das prioridades de Túlio e do grupo político e militar que representa (a Latinoamérica) descobrir informações relevantes sobre a natureza desse inimigo.

Nesse contexto, a base internacional de exploração científica Roger Penrose, que se localiza nas proximidades de um buraco negro, está ameaçada pela iminente destruição do planeta que orbita e pede auxílio. A unidade de Peregrino é designada para uma missão de resgate, uma vez que uma das fontes de ameaça aos sobreviventes da estação são os tadais. Além do interesse científico pelo estudo do buraco negro, a obtenção de informações sobre uma antiga base e artefato tadai no subterrâneo do planeta e que produz efeitos nunca antes observados, torna-se um atraente objetivo de inteligência.

Os cientistas da estação apelidaram o buraco negro de Firedrake, o dragão que respira fogo, mas os alienígenas conhecidos como o Povo de Riv o chamam de Agu-Du’svarah, “o Mestre das Marés”.

A unidade de Peregrino tem que se dividir, um parte seguindo para a superfície do planeta joviano em colapso, enquanto as demais naves dão combate a um número crescente de vasos tadais que adentram o sistema estelar.

Engana-se quem pensar que é uma obra focalizada em batalhas apenas, a narrativa é dividida em dois núcleos. Um narrado em terceira pessoa em torno do ponto de vista de Peregrino, e outro, narrado por Camila Lopes, uma jornalista inserida dentro da unidade de Peregrino com a missão de escrever sobre as operações dos Jaguares. Camila é uma jornalista jovem e determinada que demonstra o desejo de encontrar algo que possa comprovar sua tese de que Peregrino é um militar de atuação duvidosa. Ela pensa que ele deveria ser incriminado no inquérito que investiga a morte de militares na Batalha da Ciranda Sombria (ocorrida no primeiro livro da série, Glória Sombria).

A introdução de Camila e seu colega jornalista, Marcos Vilela, um correspondente de combate e entusiasta da atuação dos militares do bloco latino-americano, trazem uma interessante dinâmica à obra. Os conflitos contra os robôs, chegam e ficar em segundo plano, em relação aos conflitos políticos e psicológicos que surgem ao longo da trama.

Acossado por Camila e abalado pelo potencial de força destruidora representada pelo buraco negro, o principal adversário de Peregrino nessa missão passa a ser ele mesmo. Ele precisa dominar um crescente pânico que surge dentro dele e transparecer calma diante de seus comandados. Suas decisões e ações podem ser a diferença entre a vida e a morte de seus homens e também dos cientistas sobreviventes.

Essa dinâmica narrativa que alterna a investigação jornalística de Camila com a ação propriamente dita liderada por Peregrino funciona muito bem. É criada uma tensão e contraste de pontos de vista que ajudam a construir a camada psicológica da trama.

Não bastasse a ameaça mortal e iminente dos robôs, e uma inesperada complicação política junto aos sobreviventes da estação de pesquisas, toda a missão precisa ser concluída antes que venha o próximo jato relativístico de partículas aceleradas pelo buraco negro, a maior força energética conhecida no universo.

E por fim, o autor ainda abre espaço para explorar uma nova dimensão de Jonas, quando um interesse romântico surge próximo ao ponto crítico da trama. Nesse ponto, vemos um protagonista que cresce, tem sentimentos, e não se resume a um daquele heróis de filme de ação perfeitos, mas rasos ao cumprir seu papel dentro da trama de derrotar o inimigo e salvar os indefesos. Isso também fica evidente no interesse partilhado entre Peregrino e Túlio pela literatura clássica. O autor faz um perfeito paralelo das situações enfrentadas por Peregrino, com reflexões que o personagem faz em relação à obra Inferno (Divina Comédia) de Dante Alighieri, contribuindo para conferir maior profundidade ao personagem.

O livro tem um ritmo de leitura lento no início, onde o leitor é confrontado com muitas informações e termos técnicos, mas a tensão e complexidade da trama aumentam, sobrepondo essa dificuldade inicial.

Um dos aspectos mais interessantes da obra, além do pano de fundo político, é justamente o componente militar. A vida militar, seus equipamentos, jargão e forma de agir são muito bem representadas pelo autor, mas o melhor de tudo é a dinâmica das batalhas. É notável a habilidade de Roberto para imaginar e compor complexos cenários de batalha militar, seja espacial, seja combate à pé, considerando tecnologias e equipamentos que não existem, especulados à partir da imaginação de um possível desenvolvimento científico e suas consequências. Neste aspecto, a obra vai ganhando um corpo coerente e que faz o leitor entrar na suspensão de descrença, aquele fenômeno em que nós, mesmo sabendo que tudo é ficção e nada daquilo existe de verdade, nos vemos acreditando e sendo plenamente iludidos por um contexto ficcional coerente e bem elaborado. Vem aquela sensação de que aquilo tudo realmente poderia acontecer um dia. O que demonstra que Roberto Causo é mesmo um dos autores de ficção científica mais habilidosos da atualidade.

Se somarmos Glória Sombria, Mestre das Marés, Shiroma, Matadora Ciborgue a mais uma dúzia de contos publicados em antologias diversas, notamos que o Universo GalAxis certamente é um dos cenários de ficção científica mais vibrantes (e ainda em expansão) no âmbito da FC nacional. Um conjunto de obras que você não pode deixar de conhecer.

Mais informações:

4.5 / 5 stars     

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  1. Muito obrigado pela resenha, Carlos. Gostei muito da sua avaliação do romance.

  2. Recentemente, “Mestre das Marés” foi um dos três finalistas do Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica 2019, mas a resenha de Carlos Rocha continua sendo a melhor feita até aqui.

    • Carlos

      Oi Roberto. Fico muito feliz que tenha gostado da resenha! Desejando sempre sucesso ao seu trabalho.

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