Esse é um dos autores de fantasia mais excepcionais que conheci ultimamente. Eu já resenhei aqui, alguns de seus livros. Quando encontro alguém bom assim, fico com muita vontade de compartilhar e divulgar, então resolvi fazer uma pesquisa baseada em várias fontes e entrevistas para falar um pouco mais sobre ele. Então, vamos lá!

Um pouco de sua biografia

Abercrombie nasceu em Lancaster, no condado de Lancashire, noroeste da Inglaterra, mesma região natal de Joseph Delaney (postagem anterior). Nos seus anos de estudante, jogava muito videogame e RPGs de mesa, rolando dados e desenhando mapas de lugares que não existem. Sempre sonhou em conseguir redefinir o gênero de fantasia e assim, começou a escrever uma trilogia épica contando as desventuras do bárbaro Logen Nove Dedos. Mas sua primeira tentativa foi mal sucedida.

Ele mudou-se para Londres para tentar ganhar a vida. Anos depois, em 2002, sentou-se novamente para reescrever as desventuras de Nove Dedos. Desta vez, o resultado foi muito mais interessante.

Completou o primeiro volume O Poder da Espada (The Blade Itself) em 2004. Livro que foi rejeitado por muitas agências literárias da Inglaterra, até que em 2005, foi aceito pela Gillian Redfearn of Gollancz. Um ano depois, foi publicado como primeiro volume da Trilogia da Primeira Lei. Agora, já publicada em mais de treze países.

Em 2008, Joe foi finalista do prêmio John W. Campbell como melhor escritor estreante. No mesmo ano, contribuiu para a série da BBC Worlds of Fantasy ao lado de autores como  Michael Moorcock, Terry Pratchett and China Miéville.

De 2009 a 2011 publicou mais três livros do mundo da Primeira Lei, Best Served Cold, The Heroes e Red Country, todos ainda inéditos no Brasil.

Foi em 2014 que começou a publicar sua nova série, a Trilogia do Mar Despedaçado. Os primeiros dois livros, Meio Rei e Meio Mundo, já foram publicados no Brasil e Meia Guerra, ainda é um lançamento muito aguardado…

Em 2015, venceu o Prêmio Locus na categoria melhor romance Young Adult com Meio Rei.

No Brasil, seis de seus livros foram publicados pela editora Arqueiro.

Obras

Algumas capas nacionais e internacionais da maior parte das obras do autor.

Joe por Joe

Para essa seção, selecionei trechos de diversas entrevistas e bate-papos dos quais o autor participou ao longo dos anos.

Escrita

Você sente que se desenvolveu como autor durante a escrita de seus 5 primeiros livros? Em que mudou/se desenvolveu? Acha que ainda tem o que aprender?

Acho que somente alguém que não sabe praticamente nada supõe que não tem nada mais o que aprender… Eu acho que minha escrita melhorou, apesar de não ser a pesso mais indicada para comentar sobre isso. Minha mãe diz que sim. Eu certamente consigo planejar e escrever de modo mais rápido e estruturado até conseguir um primeiro manuscrito convincente e então na edição, pensar melhor sobre como melhorar. Acho que minha pele está mais grossa, pois embora algumas resenhas ainda me queimem como a luz do sol queima vampiros, agora eu apenas sorrio enquanto queimo.

Quais são seus pontos fortes como escritor/contador de histórias?

Personagens, diálogo, humor e ação.

Um de seus pontos fortes é na construção de mundos é torcer as convenções batidas e torná-las excitantes e renovadas. Quais foram suas inspirações e pesquisas para escrever novos livros?

Minhas grandes inspirações foram livros que li quando criança. Ficção histórica de Rosemary Sutcliff, a série pós apocalíptica de John Cristopher, Prince in Waiting, que sempre me deram a sensação de serem ásperas, imprevisíveis, autênticas e nunca decepcionando seus leitores. Eu também considerei ficção moderna sobre  vikings, de pessoas como Robert Low, Bernard Cornwell, e o clássico The Long Ships de Frans Bengtsson. Também li muita história como uma forma de me preparar.

Ser escritor

O que o fez querer ser escritor? Um certo livro que leu, ou a falta deles?

Eu sempre fui um grande leitor de fantasia enquanto jovem, jogador de RPG, etc. Mas comecei a ficar frustrado com as fórmulas da fantasia épica, sentia que havia coisas interessantes que poderiam ser feitas com ela.  Então, ler Game of Thrones foi um grande achado — demonstrou que era possível cruzar limites, ser perigoso, chocante, e ainda sim, manter-se na fantasia épica.

A maturidade que você demonstra na escrita da trilogia da Primeira Lei, em especial, a forma de mostrar o ponto de vista dos personagens é formidável para um primeiro romance/série. Poderia contar sobre como aprimorou sua escrita entre sua primeira tentativa e a segunda? O que mais escreveu? Como aprendeu?

Entre minhas duas tentativas eu não escrevi nenhuma ficção em prosa, mas li muito e em variedade, e também muito de não-ficção. Em particular eu li a série Game of Thrones sendo que sua aspereza, ambiguidade moral e imprevisibilidade me impactaram muito. Eu nunca havia lido fantasia assim antes. Eu também trabalhei como editor de filmes, de música ao vivo e documentários, ao invés de drama, o que significava colaborar com diretores, escrever scripts e narrações, embora como algo secundário. Ainda assim, acho que editar me deu experiência importante em relação a estrutura, timing e brevidade. Em documentários é comum precisar encontrar maneiras de expressar um argumento dentro de um espaço muito delimitado e eu tive sorte de trabalhar com alguns experts no assunto. Acho que assisti muitos filmes na TV na época, e acima de tudo, comecei a me levar muito menos a sério.

Mas nada disso era focado em escrever ficção. Como freelance eu me vi como tempo em mãos, então retornei à história que tinha tentado escrever anos atrás. O que poderia dar errado? Agora sabemos. Foi mais tentativa e erro, aprender enquanto faz, e tentar combinar (roubar) todas as  ideias e abordagens que eu havia lido e me pareciam estar fora da fantasia que eu admirava antes. Também tive grande ajuda e encorajamento de minha família, todos consideravelmente mais inteligentes que eu, que leram e comentaram, criticaram e destruíram-me do modo apropriado, e ainda fazem isso. Não há nada mais valioso para um escritor do que opiniões inteligentes e cruéis de leitores.

(Entrevistador: Patrick Rothfuss, de O Nome do Vento): Estou curioso por que logo após ler sua trilogia eu assisti Labirinto. Nos extras, Jim Henson disse: “Quando vou ver um filme, e saio do cinema, eu gosto de algumas coisas: Gosto de sair mais feliz do que quando entrei e gosto de um filme que me deixa com uma sensação de senso de substância.” Qual sua filosofia pessoal quanto a seus livros? Como gostaria que as pessoas se sentissem ao “saírem do cinema”?

Boa pergunta e difícil de responder. Primeiro, eu gostaria que sentissem que foi um bom entretenimento — que fiquem excitadas, gratificadas, torturadas, emocionadas, surpresas ou alguma combinação destas.

O entretenimento é minha prioridade. Eu gostaria que sentissem que encontraram algo vívido, interessante, personagens incomuns, e que essas figuras fiquem em suas mentes por algum tempo. Eu acho que idealmente eu gostaria que elas ficassem com alguns questionamentos a respeito da fantasia, em geral, sobre o papel que histórias simples, do bem e do mal com finais felizes evocam em nós. Mas alguns pontos profundos são opcionais — você deve aceitar que a maioria das pessoas não vai extrair tudo o que você coloca em um livro e que podem até extrair mensagens que você não planejou.

Acima de tudo, é claro, que fechem o livro com um desejo ardente de ler o próximo…

Obras

Você tem uma obra favorita? Incluindo os romances solo da série Primeira Lei?

Uma coisa que me deixa satisfeito é que se tem pouco consenso sobre qual livro meu é melhor ou pior. Eu tento fazer algo diferente em cada um, e espero que tenham sucesso (e falhem) de modos diferentes. Eu acho que O Poder da Espada teve o impacto da novidade, um tipo de exuberância que é difícil de repetir. Mas Antes da Forca é muito mais astuto e bem tramado, enquanto O Duelo dos Reis entrega a satisfação da resolução das múltiplas tramas, e, os livros solo possuem seus próprios atrativos. Eu acho que The Heroes é possivelmente o que saiu melhor, talvez o o mais original e com melhor construção técnica, com muitas tramas e personagens todos se relacionando num curto espaço de tempo.

(Entrevistador: Patrick Rothfuss, de O Nome do Vento): Eu pergunto… bem… Seus livros são sombrios*. Quero dizer, eu tenho orgulho de ter escrito uma fantasia razoavelmente áspera. Um universo que não se importa. Pessoas abusando de seu poder. E tudo mais.  Mas suas coisas… é tudo num outro nível. Eu não sei se há boas pessoas no seu mundo. Todos são um sabor diferente de canalha. Muitos deles, canalhas cativantes, mas ainda… Acho que estou curioso sobre… Você está tentando retratar um mundo irremediavelmente sombrio? Ou está tentando fazer o oposto e deixar o leitor com uma sensação de “senso de substância, como sugeriu Jim Henson?

É, pergunta interessante. Eu nunca tive a intenção de apresentar algo mais “sombrio-que-ti”, ou algo extremamente cínico e depressivo. Acho que estava tentado mostrar algo na contramão da fantasia épica clássica que lia na juventude, e como era tudo muito limpo, moralmente simples e otimista, eu terminei escrevendo algo bem sombrio. Mas a fantasia épica frequentemente flerta com temas sombrios — como guerra, corrupção, traição, tortura e baldes de violência – e os protagonistas, de algum modo, passam por toda imundice metafórica com suas armadura todas brilhando.

Eu queria apresentar algo mais cinzento, um mundo mais complicado e cinza, personagens mais complicados. Assim como ver o dano físico e emocional que armas de combate com lâminas poderiam realmente causar. Alguns leitores acham impalatável, ou talvez, um cinismo sombrio e pouco convincente, já outros acham relativamente brando. Eu até me deixei levar pelo trabalho de meus “covardes finais felizes”, então, você sabe como as coisas são…

Opiniões

Você acha que a fantasia precisa ter algo de sombrio/rude atualmente para ser levada à sério e ser bem sucedida?

Não, não acho. As vezes escuto as pessoas falando sobre o quanto sombria e desesperançosa a fantasia se tornou, ou sobre a tônica cínica e ambiguidade moral de Game of Thrones estarem tão populares, mas até onde vejo, ainda há muita coisa bastante  tradicional sendo publicada com muito sucesso, e, não é como se Tolkien ou seus imitadores estivessem fora das prensas. Para mim o caminho para ser levado a sério, ou obter sucesso, é se esquecer de qualquer coisa que esteja na moda e escrever o que se pensa ser verdadeiro, honesto e excitante.

Em relação a leitura, quais são seus 5 livros favoritos de todos os tempos? E o que está lendo ou gostaria de ler em breve?

Jesus, cara, quem ainda lê livros? Essa coisa de 5 favoritos não é bem como minha mente funciona. Coisas diferentes funcionam bem em contextos diferentes. É como se lhe perguntassem qual sua ferramenta favorita. Uma serra é fantástica, até que você precise de martelar um prego. O melhor livro que li ano passado foi The Good Soldiers de David Finkel – uma não-ficção sobre um repórter em meio a um batalhão lutando em Bagdá, mas escrito com um olhar de ficção sobre o tema e personagem. Atualmente, estou lendo um monte de não-ficção ocidental como pesquisa para meu próximo livro. Estive gostando especialmente de Elmore Leonard. Terminei True Grit de Charles Portis, e quero muito ver a adaptação dos irmãos Cohen para cinema. Também estou assistindo Deadwood. Hell, yes.

Brincadeiras

Qual a coisa mais vergonhosa em nome da auto-promoção que você já fez?

Sou um sociopata venenosamente ambicioso incapaz de sentimentos de vergonha ou culpa.

Se você pudesse ter um superpoder de escritor, qual seria?

Visão de Raio-X. Eu poderia olhar na mente de outros escritores e roubar suas ideias.

Você tem rituais de escrita que ajudam a finalizar um romance de fantasia épica?

Nada me deixa mais bolado do que dezoito meses fatigantes em meio à tortura da procrastinação e dúvidas pessoais.

Fontes

Pessoal, espero que tenham gostado e para quem não leu, fica a recomendação. Vejam as resenhas (links no artigo) para saber mais. Faltou alguma coisa? Estão sabendo de alguma novidade? Coloquem aí nos comentários. Valeu!