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A magia, um elemento intrínseco à ficção, oferece uma plataforma única para escritores que desejam desafiar as expectativas e criar narrativas envolventes e inovadoras. Já exploramos em outros artigos, todo o pensamento sobre magia e sistemas de magia. Mas considerando o desgaste que tantas obras de fantasia geram pela repetição de esteriótipos, é interessante pensar em subverter as convenções mágicas tradicionais. Isto pode abrir novos horizontes e surpreender os leitores. Aqui estão sete dicas poderosas para ajudar a alcançar esse feito:

1. Desconstrua o Herói Mágico Tradicional:

  • Ao invés de seguir a tradição do herói mágico imbatível, explore personagens que são falíveis, imperfeitos e que enfrentam desafios inesperados. Desmistificar a figura do herói permite que a magia seja um componente mais humano e acessível.
  • Neil Gaiman, autor de “American Gods” e “Lugar Nenhum“, aconselha os escritores a encontrar sua própria voz ao lidar com a magia. Em vez de seguir tendências, explore o que torna sua abordagem única. Gaiman também sugere que, embora seja importante estabelecer regras para a magia em seu universo, manter uma certa dose de mistério é desejável. Deixe algumas partes do sistema mágico inexplicadas, incentivando a imaginação do leitor e adicionando um toque de mistério.
  • Desafie a Jornada do Herói! Subverter as expectativas da jornada do herói é uma forma de questionar a narrativa tradicional de que o poder mágico automaticamente transforma um protagonista em um herói. Mostre os altos custos e as consequências emocionais da busca pelo conhecimento mágico.

2. Explore as Consequências Éticas da Magia:

  • Mergulhe nas complexidades éticas do uso da magia. Em vez de apresentar poderes mágicos como soluções fáceis, destaque as implicações morais das escolhas mágicas. Isso adiciona profundidade à narrativa e desafia a visão convencional da magia como uma panaceia.
  • Em “Os Magos” de Lev Grossman, a magia é explorada através do conceito do desencanto mágico. Os personagens principais, ao descobrirem e praticarem a magia, percebem que ela não é a solução para todos os seus problemas. A magia não proporciona automaticamente uma vida melhor ou mais significativa. Em vez disso, os personagens enfrentam novos desafios e dilemas morais, demonstrando que a magia, assim como qualquer poder, tem suas próprias complicações éticas.
  • A magia, longe de ser apenas um elemento fantasioso, pode se tornar uma ferramenta poderosa para examinar questões éticas e morais, proporcionando aos leitores uma reflexão profunda sobre o uso e abuso do poder mágico.

3. Magia com Custos Significativos:

  • Introduza a ideia de que toda magia vem com um preço. Seja físico, emocional ou espiritual, os personagens devem ponderar cuidadosamente antes de recorrer à magia. A noção de sacrifício acrescenta camadas de complexidade à trama e desafia a percepção de magia como um recurso ilimitado.
  • Em “Elantris” de Brandon Sanderson, a magia é retratada como uma bênção e uma maldição. A cidade de Elantris, anteriormente cheia de magia, é agora habitada por seres em um estado de morte-viva. O custo da magia neste mundo é a transformação terrível dos que a utilizam.
  • Além disso, Sanderson explora o conceito de “dor investida” em seu sistema de magia. A magia é obtida convertendo a dor física em energia mágica, destacando como a obtenção de poder mágico não é isenta de sofrimento pessoal. Esse custo físico e emocional adiciona complexidade à narrativa e lembra aos personagens e leitores que a magia tem suas próprias demandas.

4. Inverta Estereótipos Mágicos:

  • Dê uma reviravolta em estereótipos clássicos associados à magia. Se normalmente magos são retratados como anciãos sábios ou jovens aprendizes. Invertendo esses estereótipos, você desafia as expectativas do leitor e mantém a narrativa fresca. Surpreenda os leitores ao apresentar reviravoltas inesperadas ou reinterpretar elementos mágicos tradicionais.
  • Terry Pratchett, mestre da sátira, é conhecido por virar estereótipos de fantasia de cabeça para baixo em sua série “Discworld”. Em “Direitos Iguais Rituais Iguais”, por exemplo, Pratchett subverte a ideia de que apenas os homens podem se tornar magos. A protagonista, Eskarina Smith, desafia as convenções de gênero ao demonstrar um talento inato para a magia.
  • Além disso, Pratchett brinca com a imagem clássica do mago sábio e barbudo com o personagem “Rincewind”, entre outros, transformando magos em figuras cômicas e muitas vezes incompetentes. Ao inverter esses estereótipos, Pratchett oferece uma visão única e humorística do mundo da magia.

5. Aplique Limitações Inovadoras:

  • Estabeleça limitações únicas para a magia em seu universo. Talvez certos feitiços só possam ser lançados em determinadas condições, ou a magia tenha efeitos imprevisíveis. Essas limitações incentivam soluções criativas e afastam a magia da previsibilidade.
  • Recorremos Novamente a Brandon Sanderson, conhecido por seus sistemas de magia meticulosamente elaborados. Na série “Mistborn” os usuários de Alomancia podem ingerir e queimar metais para desencadear poderes específicos. No entanto, Sanderson introduz limitações únicas, como a dependência da quantidade de metal disponível e a necessidade de treinamento para usar adequadamente esses poderes.

6. Introduza o Conceito de que a “Magia Falha”:

  • Adote a ideia de que a magia nem sempre funciona conforme o esperado. Erros mágicos podem levar a resultados inusitados, oferecendo oportunidades para humor, surpresa e reviravoltas na trama. A imprevisibilidade da magia adiciona uma dose de realismo e caos ao seu mundo fictício.
  • Em Discworld, de Terry Pratchett, a magia muitas vezes não segue as expectativas tradicionais. Um exemplo notável é a Universidade Invisível, onde a magia é frequentemente caótica e imprevisível. Os feiticeiros, apesar de suas habilidades, muitas vezes lutam com encantamentos que saem pela culatra e criaturas mágicas incontroláveis.
  • Pratchett usa a falha da magia como uma fonte constante de humor e como uma maneira de satirizar os tropos de fantasia tradicionais. Ao fazer isso, ele destaca que mesmo em um mundo onde a magia é real, ela está longe de ser perfeita.

7. Envolva a Magia em Mistério:

  • Deixe partes do sistema mágico não explicadas. Manter um certo grau de mistério em torno da magia incentiva a imaginação do leitor e mantém a sensação de maravilha. Nem tudo precisa ser totalmente compreendido; deixe espaço para o inexplicável.
  • J.R.R. Tolkien introduz elementos inexplicáveis em seu universo mágico. O próprio “Um Anel” é um objeto com um poder obscuro e embora seu funcionamento específico (e os demais anéis que ele controla) não seja completamente explicado, sua natureza sinistra e a ameaça que representa são fundamentais para a trama.
  • Outro exemplo está na figura de Tom Bombadil, um personagem misterioso que habita a Velha Floresta. A natureza exata de seus poderes e origens permanece inexplicada, adicionando uma pitada de enigma ao mundo de Tolkien.

Encontrar um equilíbrio entre a fundamentação do uso da magia e sistemas mágicos em sua obra é algo delicado. É preciso investir na fundamentação, mas é também um desafio, não cair no ponto comum e replicar sistemas de magia já usado em obras consagradas. Lembre-se, como diz Ursula K. Le Guin, autora de “A Wizard of Earthsea”, a magia deve ser uma extensão do personagem e da narrativa, não um elemento isolado. Concentre-se nas experiências e na evolução dos personagens em relação à magia.