Imagem retirada do financiamento coletivo da obra.

Desta vez, Erick “Sama”, o autor das fantasias Guirlanda Rubra e Lâmina Celeste, nos traz uma ficção científica fortemente inspirada em jogos de nave, como Gradius, Starfox, Xevious, Twin Bee, R-Type, Axelay, entre outros SHMUPS. Ainda que a história tenha um grande foco nas espaçonaves, seus pilotos e suas missões, ela também aborda temas como a “coletividade vs indivíduos”, inteligência artificial, entre outros.

Solitude faz parte da excelente coleção Dragão Mecânico, da Editora Draco, da qual falamos em nosso podcast da qual já resenhamos o excelente Pecados Terrestres, de Gerson Lodi-Ribeiro.

O início da leitura foi um pouco confusa, devido à escolha do autor em fragmentar a narrativa, não só em vários pontos de vista, mas também, em idas e vindas na linha temporal. Além disso, algumas coisas que ocorriam na narrativa, pareciam não ter um lastro de coerência clara. Com isso, nas primeiras páginas, tive uma impressão de que a história não teria um bom desenvolvimento, pela falta de coerência. No entanto, conforme o leitor avança na trama, percebe que há um aspecto engenhoso na forma que o autor introduz conceitos que começam a dar sentido e coerência para a trama como um todo. É uma história que se compõe com a sobreposição de diversas camadas, tanto no lado da trama, das referências aos jogos, temas, como a solidão, e presença da música, principalmente, o blues. Também não dá deixar de fora a inspiração em animes como Cowboy Bebop, Macross, entre outros. São elementos que se entrelaçam para composição da atmosfera da história.

A história segue a trajetória (errática) de Axel Vipero, um piloto de caça espacial e líder do esquadrão Raposas Estrelares. Ele e seus companheiros vivem numa recente colônia humana, chamada Eden. A humanidade que se desenvolve ali, já não é a mesma que vivia na Terra, uma notável diferença é a estrutura familiar. Muitos jovens são incubados e nascem por processos artificiais, sendo educados coletivamente em Centros de Criação, por muitos pais e mães. Assim, como Axel, seu melhor amigo, Luciano (Abelha) também não nasceu e cresceu numa família “tradicional”. Ele, Abelha, Gládio, Dário e Meadara são pilotos e os principais personagens da história. Destaque para a inteligência artificial, Coração, que é companheira íntima de Axel em sua jornada.

O conflito principal surge, quando alienígenas biomecânicos tentam invadir a colônia. A primeira tentativa é frustrada e dá oportunidade aos humanos de aprender sobre a tecnologia alienígena e compreender que estão condenados a serem destruídos ou assimilados brevemente. Neste contexto, é criada a Operação Salamandra, uma tentativa desesperada de resistir às forças superiores dos invasores.

Além do conflito de proporções épicas, há também os conflitos advindos da relação entre o elenco principal. Temos um típica trama conflituosa baseada num triângulo amoroso que envolve o protagonista e seu melhor amigo. E a relação do protagonista e do par amoroso com um simpático animal de estimação.

A narrativa é toda composta de cenas episódicas que se alternam no espaço, tempo e pontos de vista, mas que do meio para o final, começam a tomar mais corpo e coerência. Não quero dar spoilers, mas o autor introduz algumas ideias bem interessantes que explicam aspectos envolvendo as mortes e elos mentais entre os personagens.

Abro um parêntese para falar do ponto de vista de uma pessoa que foi muito fã de jogos de nave e jogou muitos deles. A maioria deles, não possuía uma camada de história muito bem desenvolvida, quando muito, sugeriam umas poucas linhas de texto e imagens. O jogador, talvez, pudesse unir os pontos entre o que estava expresso na história e o que se via visualmente nas fases para tirar algumas conclusões. Parece que o autor conseguiu encontrar inspiração, nas lacunas deixadas pelas histórias não contadas de tais jogos, para criar em cima de alguns conceitos “subentendidos”. Um salto dos pixels e sprites que compunham os jogos para a composição de uma história de ficção científica que aglutina muitos elementos já presentes em outras obras do gênero, mas totalmente alinhada ao seu principal tema da inspiração: uma ode aos “jogos de navinha”. Um dos resultados, que me surpreendeu, foi a criação de uma espécie alienígena “vilã” muito assustadora. Figura digna do horror cósmico e mais horrível que os Borg de Star Trek.

É um livro, curto, de poucos personagens, fortemente baseado na intenção de homenagear o construto cultural dos jogos de nave, amarradas por algumas ideias bem interessantes, que fazem a história transcender a simples dimensão de “história de ação espacial/combate de aeronaves”. Uma ficção científica que também traz suas reflexões sobre o impacto das tecnologias da informação e genética na vida humana, do indivíduo e sociedade, “teísmo vs ateimo”, amizade, amor, inveja e solidão.

Para completar, o autor nos deixa uma playlist, que ajuda ainda mais o leitor a mergulhar no universo da história. E ainda, para quem foi jogador desses jogos, é uma leitura muito nostálgica.

Gostou? Acesse o link do livro.