Na parte 1, vimos que antes de considerar métodos e ferramentas de planejamento, uma abordagem interessante pode ser saber primeiro o gênero de história que queremos escrever.

Um próximo ponto importante é fazemos a distinção entre história e trama (plot).

História vs Trama

Histórias, como a vida biológica complexa, começam de um embrião, ou semente. Um exercício interessante é o do resumo de elevador. Você encontra um colega, ou vizinho, no elevador e quer contar sobre seu novo livro. Tem que ser um resumo bem rápido, pois ele vai descer logo.

Exemplo (Harry Potter): É sobre um órfão que descobre que é um bruxo e vai estudar numa escola de magia. Ele precisa solucionar um mistério e enfrentar um poderoso bruxo das trevas.

O que constrói a história em seus detalhes é a trama.

É um fenômeno comum o surgimento de histórias que reproduzem um estilo de vida dos autores. Muitos autores vivem num mundo de rotinas repetitivas. Acordam, tomam café da manhã, pegam transporte para ir ao trabalho, trabalham, retornam para casa, dormem e o ciclo se repete. Já li muitas histórias que começam justamente assim escritas em plataformas como o Wattpad. Fulando acordou, desceu as escadas, abriu a geladeira e pegou uma maça para comer. Depois, tinha que ir para a escola, etc.

O que vemos nesse tipo de narrativa é uma sequência de ações não relacionadas. Isso tende a ser entediante do ponto de vista dramático.

Uma simples ação, pode ou não ser interessante. Depende da escolha do narrador. 

Por exemplo:

Fiz uma torrada para o café da manhã.

Essa ação, informação, não causa muito interesse, concordam?

Você não vai acreditar no que aconteceu quando eu fiz uma torrada para café da manhã.

 A ação é a mesma, mas a narrativa já se torna mais interessante…

Já falamos antes, sobre criação de personagens, ambientação, etc. Mas ter uma boa ambientação e bons personagens, por si só, não irá gerar uma boa história. O que vamos precisa também, e construir uma boa trama.

Trama

Podemos definir assim: São os principais eventos/ações da história apresentadas numa sequência interrelacionada. Isto é, como você conta o que aconteceu (estrutura, ritmo, ordem de apresentação).

O grande autor inglês E. M. Forster define essa diferença assim:

“O rei morreu e depois a Rainha morreu é uma história. O rei morreu e depois a Rainha morreu de tristeza é uma trama.”

Isto implica relações causais entre estes dois eventos. Ou seja, a construção de uma trama é também um exercício de lógica.

É importante criar tramas consistentes, pois nós, como seres humanos, somos “programados” para identificar e reconhecer padrões. Extrair significado do mundo que nos cerca. Se não vemos significado, perdemos o interesse e vamos largar o livro para ir fazer alguma outra coisa mais interessante.

Componentes técnicos da trama

1. Cadeia de causalidade

A trama eficiente funciona por causa e consequência — não apenas por sequência.

? História fraca: “O personagem acorda. Depois vai trabalhar. Depois encontra um dragão.”
? Trama forte: “O personagem acorda atrasado, e por isso pega um atalho desconhecido — onde encontra um dragão.”


2. Conflito

A trama gira em torno de desejos e obstáculos. Toda boa trama responde à pergunta:

“O que o protagonista quer e o que o impede?”

Sem conflito, não há movimento.


3. Viradas (Turning Points)

São momentos de grande impacto que mudam a direção da narrativa, como:

  • Revelações
  • Decisões drásticas
  • Reviravoltas
  • Mudanças de status

Esses pontos mantêm a trama dinâmica.


4. Clímax e resolução

Toda trama bem construída culmina em um ponto máximo de tensão (clímax), seguido de uma resolução que mostra as consequências das escolhas feitas.


5. Subtramas

Histórias mais complexas incluem subtramas (românticas, políticas, pessoais) que:

  • Espelham ou contrastam com a trama principal
  • Aprofundam personagens
  • Criam respiros narrativos

Estruturas de trama populares

  • Três atos: Apresentação ? Conflito ? Resolução
  • Herói com mil faces (Monomito): Jornada do herói
  • Sete pontos de Snyder (Save the Cat): Modelos para gerar empatia e viradas rítmicas
  • Trama em espiral: Revelações acumulativas em vez de progressão linear

Exemplo aplicado: Olhos Negros (fantasia sombria)

  • História: No meu primeiro romance, o pano de fundo gira em torno de necromantes que planejam por décadas tomar o poder no reino de Lacoresh, disfarçados entre o povo, nobreza, ordem dos magos e clero.
  • Trama: O leitor descobre a verdade junto aos personagens, em pedaços. A ordem dos eventos é manipulada para criar mistério e tensão psicológica, revelando os horrores aos poucos. No livro, não aparece o assunto necromantes antes da metade, o foco é numa investigação na relação entre os três personagens principais enquanto se envolvem numa investigação sobre o misterioso nascimentos de bebês com olhos totalmente negros.

Dica prática para escritores:

Comece com um mapa de eventos da história (cronologia interna).
Depois escolha o ponto ideal para começar a narrativa e crie ganchos, viradas e escalada.
Isso é construir trama.

Na sequência, vamos abordar métodos e ferramentas mais a fundo, considerando gêneros específicos.