Origem

Quem inventou o cosplay?

A

o contrário do que se acredita, o cosplay é uma prática que surgiu nos Estados Unidos e não no Japão, de onde vem grande parte das influências da cultura pop atual. Essa confusão geralmente acontece por causa da grande influência da cultura pop japonesa no mundo e no Brasil, que se iniciou na época da Rede Manchete.

A emissora possuía em sua grade séries de super-heróis japoneses, que foram exibidas durante a década de 60 e no final dos anos 80, chamadas de tokusatsu. Já nos anos 90, quando os animes, desenhos animados japoneses, ganharam repercussão mundial, os fãs começaram a acompanhar os desenhos e notícias sobre suas obras favoritas em revistas.

Mas o hobby do cosplay realmente começou nas convenções norte-americanas realizadas para fãs de ficção científica, e apareceu pela primeira vez na primeira World Science Ficction Convention, ou como é mais conhecida, Worldcon, em 1939. Dois participantes resolveram construir trajes futurísticos e aparecer fantasiados na feira.

FOTO
» Thaís Yuki por Ronaldo Ichi/CAA

 
 

Primeiros cosplayers da história

O ato teve tanto impacto sobre os participantes do evento, que no ano seguinte, em sua segunda edição, a Worldcon contou com várias pessoas circulando com fantasias, dando início aos primeiros vestígios das competições cosplay que hoje são parte das atrações das convenções.

Naquela época muitas pessoas criavam seus próprios personagens e fantasias, mas com a chegada de obras como Star Wars, Star Trek e outras criações que hoje são os pilares da cultura pop, a vontade de homenagear personagens dessas mídias cresceu e, a partir disso, o cosplay popularizou o uso de fantasias de personagens dos cinemas, quadrinhos, seriados, livros e jogos.

Star Wars pode ser destacado como um dos maiores influenciadores de fãs da cultura nerd e pop, incluindo a quantidade de cosplayers que resolvem homenagear a série não só em convenções, como em parte de suas vidas. Quem decide participar mais seriamente do fandom, pode adentrar nos Conselhos Jedi, que são organizações sem fins lucrativos que trabalho mais intensamente com Star Wars.

João Marcelo Cunha é analista de redes sociais em uma das maiores agências de comunicação baiana e movimenta conteúdo nas plataformas da empresa diariamente. Mas o que muitos não sabem é que Cunha veste uma máscara, literalmente. Durante eventos e encontros do Conselho Jedi, do qual faz parte, o jovem juntou-se ao lado negro da força e é também conhecido como Kylo Ren, o novo vilão do retorno da Saga Star Wars para os cinemas. Claro que o vilão não é o único cosplay de João Marcelo, que já se vestiu de diversos personagens de Star Wars como Jedi e Storm Trooper.

A influência é tanta, que quase 40 anos após a estréia do primeiro filme nos cinemas, Star Wars continua com uma firme base de fãs, que se fortaleceu ainda mais depois do retorno da franquia para o cinema. Em Salvador, temos a sede do Conselho Jedi Bahia, que realiza diversas atividades e ações na cidade, fomentando a cena para os fãs da obra.

Para a estréia do Episódio VII: O Despertar da Força, o grupo baiano produziu um vídeo clipe parodiando a música Uptown Funk, de Bruno Mars, sendo seu protagonista um cosplayer fazendo o personagem Finn do novo filme. O vídeo contou com a participação de outros personagens do episódio e com a presença do maior vilão da saga, Darth Vader.

Confira a seguir:

Myrtle R. Douglas e Forrest J. Ackerman são considerados os percussores do cosplay
Foto: Reprodução/Internet

Forrest J. Ackerman com sua fantasia inspirada no filme de 1936, Daqui a cem anos
Foto: Robert Madle

João Marcelo Cunha com seu cosplay de Kylo Ren
Foto: Reprodução/Facebook


 
 

Mas onde o Japão entra nessa história?

Mas isso não quer dizer que o Japão não tenha influenciado o desenvolvimento e a popularização do cosplay. O termo cosplay foi criado pelo japonês Nobuyuki Takahashi, que hoje é Diretor Representativo do Studio Hard Deluxe Inc., que procurava por uma expressão que representasse as pessoas que gostavam de se fantasiar.

Isso porque, pouco mais de 20 anos depois dos americanos já frequentarem convenções fantasiados, os japoneses começaram a produzir seus primeiros eventos para os fãs de animes e mangás, até chegar ao seu ponto de florescimento em 1975, com o evento Comic Market, ou Comiket.

Insatisfeito com termos existentes, que não conseguiam traduzir o que o cosplay realmente significava, Takahashi se utilizou de um artifício bastante comum entre os japoneses, que é encurtar expressões ao juntar parte de algumas de suas palavras. Depois de pesquisar e encontrar expressões que continham a palavra "costume", chegou a conclusão que costume mais play, descreveria bem o que cosplay representa.

No Brasil, o cosplay surgiu na década de 1990, e foi usado oficialmente no 12° aniversário da Abrademi, entidade cultural sem fins lucrativos originária da união de estudiosos da cultura japonesa e desenhistas profissionais do Brasil.


Apesar do primeiro cosplay oficial ser registrado na 1ª MangáCon, credita-se o primeiro cosplay do Brasil, até onde se tem conhecimento, a Diego Fernando Ferreira com a fantasia de Saint Seiya, aos sete anos de idade, em um baile de Carnaval do Floridiana Tênis Clube, de Rio Claro/SP, realizado nos dias 26 e 28 de fevereiro de 1995. A fantasia foi confeccionada por sua mãe para o carnaval. Foto: Reprodução/ Abrademi

Celebrando o lançamento da revista AnimeClub, que trazia uma matéria sobre “O Mundo Cosplay” e após pesquisarem sobre fantasias juntamente com as escolas de Samba de São Paulo, foi criado o primeiro cosplay utilizado em evento de anime e mangá, o Mu de Áries, de Os Cavaleiros do Zodíaco, usado pela Cristiane A. Sato, no dia 25 de fevereiro de 1996.

No mesmo ano, a Abrademi anunciou a primeira convenção de anime e mangá da América do Sul, a 1° MangáCon, que depois da rápida disseminação de informação sobre cosplay, anunciou o primeiro concurso cosplay do Brasil para a convenção. Sem a informação exata do número de participantes, o primeiro lugar foi para Judy com o cosplay de Saori de Cavaleiro dos Zodíaco.


Registro da primeira MangáCon com a vencedora do 1° Concurso Cosplay do Brasil. Foto: Reprodução/ Abrademi
 

 

A convenção foi realizada até o ano 2000, quando aconteceu sua última edição e foram registrados 97 inscritos, nos dias 7 e 8 de outubro. Pode-se dizer que a Abrademi teve um importante papel no desenvolvimento dos eventos de anime e mangá e do próprio cosplay no país, por promovê-lo intensamente durante quatro anos.

O ator e bancário, Jefferson Melo, de 33 anos, particiou da segunda edição da MangáCon, em 1997. Ele não foi de cosplay nesta edição, mas a partir do ano seguinte começou a praticar o hobby e nunca mais parou. “A partir do MangáCon III eu sempre usei cosplay em todos os eventos que participei. O negócio era brincar, tirar fotos, fazer poses com os outros amigos do mesmo anime. Tudo ali era realmente a grande ideia de fazer cosplay, ser um Costume Player.”

A terceira edição da MangáCon, em 1998, também foi a primeira vez que a médica neurocirurgiã Paula Annunciato Fabris, de 35 anos, mais conhecida como Paula Genkai, participou. Fabris usou cosplay da personagem Mestra Genkai, do anime Yu Yu Hakusho e conta como foi a experiência de participar dos primeiros eventos do país.

“Na época, onde não havia eventos, era uma sensação mágica. Não tínhamos peruca, lente de contato, nem entendíamos muito de técnicas de confecção de acessórios.”, explica Paula sobre as dificuldades do início do cosplay no Brasil. “Mas, o fato de podermos representar o personagem favorito, já era uma grande alegria, mesmo em uma época em que o grande público nem sabia o que era cosplay.”


Paula, no centro, com seu primeiro cosplay de Mestra Genkai, do anime Yu Yu Hakusho. Foto: Cortesia/Paula Genkai

Jefferson Melo particiou da 2ª edição
da MangáCon, em 1997.
Foto: Arquivo Pessoal
 
 

Já no início da prática do hobby existiam concursos para premiar as melhores fantasias, e Paula Genkai não ficou de fora da experiência em seu primeiro evento. “Participei do concurso e nem tinha noção do que fazer ou falar no palco. Deu um belo frio na barriga. Com o tempo, a gente vai pegando um pouco mais o jeito”, revela a cosplayer.

Mesmo 18 anos depois de ter se envolvido com o cosplay, Paula continua praticando o hobby. Ela acredita que houve uma grande evolução da prática no país, valorizando-a ainda mais por isso e também por ter acompanhado esse processo .

“É incrível. Você tem a oportunidade de ver o quanto tudo evoluiu muito. Passamos de cosplays bem simples, sem qualquer efeito, para cosplays com lente, maquiagem e efeitos especiais”, ressalta Paula. “E valorizo ainda mais o hobby. Lembro-me da grande dificuldade que tinha em encontrar e fazer qualquer coisa. Agradeço muito o fato de podermos interpretar nossos personagens de modo cada vez mais realista e fiel.”

Jefferson Melo também sente-se orgulhoso de fazer parte da história do cosplay no Brasil. “Eu me sinto muito orgulhoso de ter participado desse começo e, principalmente, de estar na ativa até hoje, como cosplayer e como apresentador de concursos, inclusive”, comenta Melo. “Em todos esses anos eu vi muitas mudanças no hobbie, gostei de várias, não gostei de muitas, mas o crescimento e a proporção que tudo tomou é absurdo.”

Paula com cosplay de Ripley de Alien, O oitavo passageiro
Foto: Reprodução/Facebook
 

 

Na Bahia Também Tem Cosplay

Na Bahia, já existiam encontros de fãs em locais públicos como shoppings centers de Salvador, mas o primeiro evento que se tem conhecimento aconteceu em 20 de setembro de 2003, quando o Anipólitan realizou sua primeira edição, no auditório do Edifício Esplanada Trade Center, na Av. Tancredo Neves, que já contou com a participação de cosplayers.

Vanessa Sampaio, que é arquiteta e tem 29 anos, é considerada a primeira cosplayer de Salvador em eventos, conta que ficou sabendo do primeiro evento que participou, que por coincidência, foi o primeiro evento formal de Salvador, através de um amigo da escola que a convidou. “O evento foi bem pequeno, basicamente exibição de animes e venda de alguns lanches.”


Vanessa Sampaio, à direita, de cosplay
no primeiro Anipólitan
Foto: Reprodução/Facebook

“Soa clichê, mas parecia
muito bom poder encontrar
minha tribo em Salvador”

Vanessa Sampaio, sobre a participação nos primeiros eventos da Bahia.
 

Apesar de ter ido de cosplay no primeiro Anipólitan, Sampaio já havia participado como cosplayer de um evento em São Paulo. “Eu fui de Yumi Omura, do mangá Chobits, fui a única cosplayer do evento”, revela Sampaio. “Mas este não foi meu primeiro cosplay, eu tinha feito a Misato Katsuragi de Evangelion na Animecon de 2002 em São Paulo. Neste ano, ainda não existiam eventos de anime e mangá em Salvador, apenas pequenos encontros de grupos otakus em shoppings”, explica a cosplayer que faz parte da história do cosplay na Bahia.

Vanessa diz ter se sentido parte da comunidade ao participar do evento e que conseguiu conversar e conhecer pessoas que gostavam da mesma coisa que ela. “A sensação foi de inclusão mesmo, eu era a nerdzinha que ficava lendo mangá na hora do recreio”, conta a cosplayer.

 
 

“Então era muito bom ir a um evento ver coisas que eu gosto, conhecer novos animes e encontrar pessoas que gostavam das mesmas coisas. Os primeiros dois eventos foram muito pequenos, dava realmente para parar, conversar e conhecer pessoas. Soa clichê, mas parecia muito bom poder encontrar minha tribo em Salvador.”

E a motivação para usar o cosplay veio do reconhecimento dos personagens pelo público e a vontade de expressar sua criatividade. “Como sempre gostei de moda e criação, no ano anterior ao primeiro Anipolitan, tinha sido muito empolgante comprar os tecidos e acessórios e montar uma fantasia muito próxima da personagem, com a qual fui bastante elogiada na Animecon. Então senti muita vontade de repetir o processo da confecção da fantasia e incorporar a personagem no Anipolitan.”

O vídeo abaixo traz um registro do nascimento da comunidade de cosplay da Bahia e de Salvador. Ricardo Silva, criador e produtor do Anipólitan, fala sobre o início e trajetória de seu evento e como o hobby do cosplay foi importante para o desenvolvimento do Anipólitan.

Um evento só para cosplayers

Com a evolução do cenário cosplay baiano e nacional, em 2015, a Bahia ganhou a primeira convenção exclusiva para cosplayers, em Feira de Santana, o I-ML Cosplay Convention, criado pelas cosplayers Iasmin do Vale e Ludmilla Moreira. A convenção trouxe duas convidadas internacionais diretamente da França, e todas as atividades foram pensadas e voltadas para o público cosplayer.

No vídeo abaixo as cosplayers e sócias contam como surgiu a ideia de criar o evento e suas motivações.

Cartaz da primeira edição do Anipólitan Foto: Reprodução/ Facebook
 
Ludmilla Moreira e Iasmin do Vale, criadoras do I-MLCC. Foto: Dihen Fotografia