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Entrevista com Diego Guerra – autor de O Teatro da Ira e O Gigante da Guerra.

Diego Guerra é formado em Produção Editorial pela Anhembi Morumbi e em roteiro pela Academia Internacional de Cinema. Trabalha como designer e é fã de literatura fantástica e romances históricos. Passou os últimos quinze anos escondendo suas obras nas gavetas, mas resolveu que já estava pronto para contar suas aventuras. Autor da série online Chamas do Império, que foi selecionado pelo catálogo da Editora Draco.

Fale um pouquinho sobre você, para seus leitores o conhecerem um pouco mais. Se puder, conte algo além do que já divulga na sua biografia.

Uau, vamos ver. Eu sou formado em produção editorial. Em um momento da minha vida alguém me convenceu de que eu nunca seria um escritor, então eu resolvi que trabalharia com o livro dos outros para me satisfazer, assim, meio sem querer, acabei bandeando para o lado da arte e me tornei designer, mas o objetivo principal sempre foi escrever, o resto eu fiz para pagar as contas.

No fim acho que não me desviei muito do meu caminho. Tenho uns amigos que queriam ser cantores, pintores, mil coisas e acabaram em um emprego completamente diferente. Acho que no fim eu acabei meio por teimosia na mesma área. A verdade é que não me vejo fazendo nada diferente e já pensei muito nisso.

Quando percebeu que queria escrever um romance, e ainda, por que o gênero de fantasia?

Percebi que queria escrever histórias assim que aprendi a ler. Deixava meus pais loucos, juntava todos os trocados para comprar livros. Minha família era muito pobre na época e a maioria dos livros que eu lia tinham sido herança dos meus tios e não eram para a minha idade. Ao mesmo tempo, eu colecionava artigos científicos e teorias bizarras… e gostava de inventar histórias para todas as coisas. Na verdade não escolhi a fantasia, eu fui descobrir o que eu estava fazendo muito mais tarde e até tentei escrever outras coisas por um tempo. Me disseram que eu tinha que escrever “coisas sérias” e eu tentei escrever crônicas, tentei romances existencialistas, mas não sou eu. Na fantasia eu me sinto mais à vontade.

Quais são suas principais referências na literatura?

Olha, como leitor eu me dediquei a tudo um pouco. Sou grande fã de realismo mágico, sobretudo Borges, Saramago e J.J. Veiga, mas nunca esqueci aquele sentimento de assombro que tinha com os romances de aventura como os livros do Stevenson ou Júlio Verne. Acho que tudo me tocou um pouco e fui mudando conforme lia. Ouvi um “click”, mesmo, quando li Bernard Cornwell, Yoshikawa e Dickens, foi quando eu comecei a encontrar o que eu queria escrever. Sei que eles parecem não conversar entre si, mas acho que como autor foram as obras que mais me influenciaram. Em algum momento também conheci Tolkien – não tem como ser escritor de fantasia sem ter ao menos conhecido Tolkien – mas acho que o que eu faço fica muito distante dele. Talvez me identifique mais com Michael Moorcock.

Legal, o Moorcock foi um dos que me fisgou para o gênero. Ainda tenho o projeto de ler todos os livros dele, acho que já estou na metade.

Moorcock é incrível, na minha opinião é um cara tão importante quanto Tolkien para o gênero. Tolkien era um acadêmico, sua obra é uma perfeição a parte, mas o Moorcock teve grande contribuição na disseminação e atualização da fantasia… Antes todos queriam ser Tolkien. Depois do Moorcock, as pessoas começaram a procurar histórias diferentes. No meu panteão, ambos dividem o trono.

Bacana, eles realmente merecem! O que você tem lido?

No momento tenho lido muitos livros teóricos, estou terminando a leitura do “Gigante Enterrado” do Ishiguro, “O Poder da Espada” do Abercrombie e “Como Funciona a Ficção” do James Wood.

Nossa, a trilogia da Primeira Lei, de Abercrombie “estourou a minha cabeça”!

Eu comecei a ler o Abercrombie porquê muita gente compara o meu livro com este, mas ainda estou bem no começo. Gostei do ritmo e tive uma boa impressão dos personagens… Mas ainda é cedo para dar um veredito.

Sobre a belíssima ilustração da capa de O Teatro da Ira (resenha) feita pelo ilustrador Camaleão. Como foi o processo de criação? Você participou? Ou foi algo que ocorreu através da editora?

Puxa, isso foi uma novela à parte… Sou designer, como vc sabe, é gosto muito de trabalhar com capas… Então eu fiz o projeto gráfico e contratei um ilustrador excelente para desenvolver a ilustração da batalha da ponte… Infelizmente o cara pisou na bola, e desapareceu. Levou 6 meses para eu recuperar o sinal que eu tinha pago. Nesse meio tempo, eu tentei resolver a capa de outra forma, inclusive fiz uma ilustração eu mesmo:

http://diggs.com.br/2016/02/05/teatro-da-ira-design-de-capa/

Só que, como vocês podem ver, meu traço era muito juvenil para a história… Quando eu apresentei pra Draco eles sugeriram outro ilustrador. Não tinha ideia de quem seria e nessa altura do campeonato apenas confiei no editor. Uns meses depois recebi esse presentão que foi uma capa do Camaleão. Até hoje não entendo como isso foi possível. O trabalho dele é incrível.

Li uma postagem sua falando sobre dificuldades para escrever a continuação de Teatro da Ira. Isso continua? Fale um pouquinho sobre isso.

Olha, eu nunca pensei que existiria essa dificuldade… Eu planejei os romances do Chamas do Império de forma semi-independente, montando arcos e deixando algumas pontas soltas para as possíveis continuações. Tem sempre um desejo de fazer melhor, sem menosprezar o primeiro e dando espaço para o próximo. E acho que tenho sido muito exigente comigo mesmo, para não decepcionar os leitores. Corrigir as coisas de acordo com o feedback que recebi do Teatro, também é uma preocupação.

Uma vez li um artigo do Asimov relatando a dificuldade de escrever sexto (ou quinto) livro da série Fundação. Para ler o segundo, leu o primeiro 2 vezes, o terceiro, o primeiro e segundo, mais vezes ainda, e assim progressivamente… até que ele disse que estava quase enlouquecendo.

Pois é. Eu sinto um pouco disso. Até porquê eu faço MUITOS tratamentos. Então, tem até isso, a história que eu tenho na minha cabeça às vezes é diferente da história que chegou aos leitores. Daí preciso sempre consultar para saber se aquilo aconteceu oficialmente ou foi só um tratamento que ficou para trás.

Mas está progredindo, certo?

Muito mais lentamente do que eu gostaria, mas sim, temos algum progresso e tem sido divertido ver a evolução da história.

Muitos de meus livros tem fortes relações com jogos de RPG (de mesa). De onde veio sua inspiração para Chamas do Império? Sua ideia é escrever uma série? Tem mais ou menos noção do tamanho?

A origem do Chamas do Império é uma história que eu escrevi em um universo inspirado em RPG de mesa… No decorrer daquela história dois personagens conversavam sobre um antigo Império que abraçava todos os reinos daquela região e foi por conta dessa linha de diálogo que eu comecei a imaginar como seria um Império tão vasto. Foi assim que nasceu as Chamas do Império.

Para escrever acabei me baseando bastante no Império Romano, nessa hora a obra de Edward Gibbon foi importantíssima, mas como queria escrever uma história de guerra, também fui atrás de livros da Segunda Guerra para me inspirar em algo mais moderno… No fim, a gente acaba sempre escrevendo sobre nós mesmos e sobre a nossa época, não é? Então eu acabei acrescentando questões que me interessam, como a escravidão, o preconceito e a luta de classes.

Aquela história inicial serviu apenas para me fazer questionar sobre a origem das coisas e me fez construir um universo muito mais rico, mas a verdade é que ela já não faz sentido algum para mim hoje.

Eu tenho ideia para muitos livros envolvendo os personagens do Chamas do Império, mas a verdade é que tenho outros projetos que quero escrever também, então resolvi fechar um arco importante da história antes de dar uma pausa e trabalhar nestes outros projetos um pouco. Estou falando em 3 ou 4 livros, com a mesma estrutura de arcos intercalados. Depois disso… veremos.

Achei que seu epílogo em forma de nota histórica agigantou seu romance. É uma inspiração vinda de Bernard Cornwell?

Minha primeira ideia era escrever um livro com notas de rodapé. Eu ia acrescentar as anotações sobre a paisagem, as pessoas, sempre do ponto de vista de um autor fictício do mundo. Quando comecei a fazer isso, porém, achei que estava ficando muito cansativo.

Acho que uma das minhas questões favoritas é “onde está a verdade?” Se você reparar, o Teatro da Ira é cheio de meias-verdades. Cada um tem a sua versão da história. As Notas Históricas foi um jeito de mostrar isso de forma clara, mas sim, Bernard Cornwell me mostrou como fazer isso. Enquanto as notas históricas dele tentam desvendar onde foi que ele “mentiu”, as minhas servem para mostrar que todos estão mentindo.

Pretende participar do NaNoWriMo 2017? Escreveria o primeiro esboço de um romance novamente em apenas um mês?

Olha, eu participei do NaNoWriMo 2015 e escrevi o Gigante da Guerra. Foi uma experiência devastadora, de várias formas… Não sei se faria novamente, mas se o fizesse, dificilmente o faria com Chamas do Império. Os romances são longos demais para isso.

Falando sobre outros livros, você comentou numa outra entrevista que é um pouco pessimista quanto ao ser humano e que isso aparece um pouco em suas obras. Você se vê escrevendo um romance que transmita uma mensagem otimista?

Sabe aquelas notícias sobre “Nasa anuncia que o mundo vai acabar nesta quinta feira?” Isso pra mim é otimismo. Falando sério. Eu adoraria. Gostaria mesmo de conseguir escrever algo que transmitisse algo bom para as pessoas, mas sempre que tento algo assim me parece falso. É um ponto fora da minha zona de conforto. Quem sabe um dia?

Seu romance, O Gigante da Guerra, tem alguma relação o universo de Chamas do Império?

Ah! O gigante da Guerra!  Sim e não. Ele se passa no mesmo universo, mas acontece anos antes e numa região diferente do Império… Então temos as mesmas raças, a mesma sociedade, mas vemos a história toda por um outro prisma. Você não precisa conhecer um para entender o outro.

O Gigante da Guerra se passa uns vinte anos antes, no fim da Guerra das Almas… Com o Império em seu pior momento. Conta a história de dois jovens que não tem nada de aventureiros ou heroicos, tentando sobreviver tomando decisões muito difíceis. Acho que é uma fantasia mais perto do realismo mágico.

 

Li um artigo seu sobre Viver de Escrever. É um pouco raro encontrar autores brasileiros, em especial da literatura de gênero, que vivem de escrever. Isso é uma aspiração sua? Como vê esse caminho?

Acho que viver de escrever é ter mais tempo para escrever e isso é algo que todo autor deve desejar. Seria ótimo não ter que espremer a produção literária entre um boleto pago e outro, mas sei que isso é raro, praticamente impossível, então toco a vida. Não vou deixar de escrever, isso não vai acontecer, mas gostaria de ter tempo para que as coisas andassem mais rápido.

É um ciclo. Existe uma forma de sair deste ciclo, mas é complicado. Uma vez tive o prazer de conversar com o Ulisses Tavares, um autor da velha guarda que me explicou como ele vive como autor. O segredo era (pausa dramática): ele tinha na época 140 livros publicados.

UAU, 140!

Destes 140 livros, alguns vendiam bem, outros vendiam mal… mas eram 140 livros. Sempre tinha alguma coisa para receber. É a mesma lógica de uma editora, a tal da Cauda Longa. Ganhar um pouco de cada livro. Bom, para mim faltam só 139 agora.

[risos] Ótima perspectiva! Isso sim é otimismo. Bem, novamente, agradeço demais. Foi um ótimo bate papo!

Eu que agradeço. Acho ótimo falar com outro colega escritor. É sempre divertido.


Então pessoal, espero que tenham gostado. Abaixo separei alguns links úteis:

 

 

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  1. Entrevista muito boa. Comprei o livro ano passado, pela capa do Camaleão e sem piscar. O roteirista de quadrinhos Raphael Fernandes está trabalhando de uma maneira muito próxima com a Draco, e ele e Camaleão são parceiros. Depois de ler esta entrevista, vou programar o romance para ler ainda este ano. Parabéns a entrevistado e entrevistador!

    • Carlos

      Olá Roberto,

      Muito obrigado pelo seu comentário. Foi uma honra ter sua visita por aqui.

      Abraços!

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